As terras do Cabula foram marcadas pela rica oferta natural, como árvores frutíferas em meio à mata densa e de difícil acesso, que possibilitou pontos de esconderijo para cativos que fugiram da escravidão. Também a presença de vales com formação de rios, que foi fundamental para o sustento e subsistência dos arraiais, por fornecer água e alimento para os moradores.  

Conforme se observa, historicamente, as benesses naturais potencializaram a formação de pequenos núcleos de povoamento denominados no século XVIII e início do XIX como quilombo do Cabula, que sofreu desestruturação após missão arquitetada pelo governador João de Saldanha da Gama de Melo e Torres Guedes de Brito, 6º Conde da Ponte. Outros núcleos de resistência se formaram durante o século XIX, todavia, ainda na primeira metade do referido século, as terras, que se encontravam “disponíveis” á ocupação espontânea, foram vendidas ao capitão de ordenanças Tomás da Silva Paranhos, no dia sete de agosto do ano de 1839 (TEIXEIRA, 1978). A partir deste momento, mudanças na organização territorial proporcionou um novo formato de uso e exploração do solo.   

Sob a posse do capitão Tomás da Silva Paranhos e, posteriormente, dos seus herdeiros, as terras do Cabula foram sendo, paulatinamente, fragmentadas em lotes e vendidas a outros roceiros. Inicia-se uma nova etapa da historicidade do Cabula, a fase das chácaras e da produção de laranjais.   

As extensas chácaras que passaram a priorizar a plantação de laranjais, produziram as famosas laranjas de umbigo, originárias da Bahia e produzidas principalmente em algumas áreas do Cabula[1]. Fruta grande, doce e saborosa, que provinha de uma árvore de pequeno porte, medindo em média entre seis a dez metros. Só se propagava por meio de enxerto, uma vez que a fruta não possuía sementes (CARVALHO, 1997).

Na metade do século XIX, essas laranjas, associadas a outras frutas e verduras, abasteciam os mercados do núcleo urbanizado da cidade do Salvador, assim como eram comercializadas em outros estados. O transporte das laranjas de umbigo das localidades suburbanas aos pontos de vendas de negros ganhadores que percorriam os variados bairros da cidade ocorria por meio de cestos armados nos burricos. Para facilitar a venda, os negros transportadores entoavam um cântico típico: "laranja, laranjinha doce", tentando assim atrair os moradores da cidade para seu consumo (CARVALHO, 1997).

Os amplos e frutíferos laranjais do Cabula foram assolados por uma praga no final dos anos de 1940 e início da década de 50. Esse fator marca uma nova transformação do uso do solo no Cabula e contribui para a respectiva degradação ambiental da região (FERNANDES, 2004).

Foi essa parte da historicidade do Cabula e seus laranjais que marcou a memória de parte da população que atualmente reside nas comunidades. Entretanto, vale ressaltar que esse momento mais recente da história não ofuscou os movimentos de resistência, que nunca deixaram de existir. 



[1] É importante deixar claro que no Cabula nunca houve monocultura, portanto, muitas hortas e arvores frutíferas como mangabeira, jaqueira, licurizeiro, dentre outras, marcam a memória de antigos moradores da área. Os famosos laranjais não abrangeu toda área do antigo Cabula. Havia laranjais nas roças ao longo da Estrada do Cabula (atual Silveira Martins) e nas roças ao longo da Estrada do Saboeiro. Isso significa que nem todas as comunidades do Cabula se identificaram com a fama proporcionada pelos laranjais, ao contrário, as comunidades da Engomadeira, Beirú/Tancredo Neves, Arenoso e Cabula VI (antigo Campo Seco), não reconhecem a produção de laranjas nos seus territórios, mas relataram a riqueza do solo local que proporcionou policulturas aos seus habitantes. Tais produções eram negociadas nas feiras de Salvador.

 

REFERÊNCIAS

Para saber mais sobre a fase histórica das chácaras do Cabula e seus laranjais, veja o texto: “A questão da localização e dos remanescentes da localidade do Cabula após desarticulação do quilombo”. In. MARTIN, Luciana C. de A. HISTÓRIA PÚBLICA DO QUILOMBO DO CABULA: representações de resistências em museu virtual 3D aplicada à mobilização do turismo de base comunitária. Salvador-Ba. 2017. 311f. Tese (Doutorado em Difusão do Conhecimento ) – FACED/Universidade Federal da Bahia, Salvador.

CARVALHO, Álvaro. Viagem sentimental a Bahia, 1ª ed. Florianópolis, 1997.

FERNANDES, Rosali Braga. Evolução histórica do Cabula: um bairro popular da cidade de Salvador. In: Congresso de História da Bahia, 2004, Salvador. V Congresso de História da Bahia. Salvador: Fundação Gregório de Mattos, 2004. v. 2. p. 885-892.

TEIXEIRA, Cid. As grandes doações do 1º governador: Terras do Rio Vermelho ao Rio Joanes: Conde da Castanheira, Garcia D’Ávila e Senado da Câmara". In: TEIXEIRA, Cydelmo (coord.). A Grande Salvador. Posse e Uso da Terra. Projetos Urbanísticos Integrados. Coleção projetos urbanísticos integrados. Salvador: Governo do Estado da Bahia, 1978. Capítulo III.

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